quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Santiago da Espada

A Espada não mente. Está lá, empunhada ao lado do escudo de armas. É o resquício da Ordem Militar de Santiago, carimbado na fachada da sua igreja, que entre as 37 da cidade, não sendo a mais imponente, será talvez a mais representativa. A esta ordem castelhana se ficou a dever o apoio à reconquista do Algarve e, sobretudo, de Tavira. No seu local estava a mesquita menor. As suas imagens são cuidadas, e a de Nossa Senhora Cândida (século XVI) não deixa ninguém indiferente.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Copo de Sangue

As âncoras do Barril, além das casas construídas para guardar artes da pesca e tratar o atum capturado - hoje restaurantes e lojas -, são o último vestígio da actividade do copejo do atum. Esta pesca era feita com um sistema de artes que, fixado por lastros na areia, montava dentro de água verdadeiras paredes de rede que canalizavam os cardumes de atum para uma zona central (essas redes chamavam-se «rabeira», na zona exterior, e «bicheira», na zona interior, apoiadas por outras redes que impediam os atuns de inverter a direcção, as designadas «invaginações»). Estas longas redes verticais eram mantidas à tona por boias e prolongavam-se até chegarem a um grande rectângulo central, de 350 por 50 metros, dividido em três partes, câmara, bucho e copo. Era no copo, que, depois de fechado, os pescadores fisgavam os atuns, espetando-os com arpões e auxiliados por ganchos. A armação do Barril chamava-se «Três Irmãos» e era uma das principais. Concorriam com ela, a «Abóbora», a «Nova» ou de Nossa Senhora do Livramento e a do «Medo das Cascas», que era tida como uma das maiores - foi arrasada por um temporal e reconstruída sob o nome de Ferreira Neto. A época mais importante desta pesca ocorreu entre 1870 e 1890 e há registo que no ano capicua, de 1881, só no «Medo das Cascas» foram capturados 41 mil atuns. A grande rivalidade na pesca também espelhou a eterna disputa entre Olhão e Tavira, sendo que os principais armadores de pesca do atum eram de Olhão e de Faro, embora algumas das maiores armações se localizassem em Tavira. Não obstante, esta pesca tinha especialistas com grande arte e alguns dos melhores nem sequer se encontravam ali, mas em Monte Gordo. Pela simples razão de Monte Gordo ter sido, na sua génese, uma vila exclusivamente piscatória - dos «cuícos» -, desenvolvida à volta da igreja construída nesse areal. Essa comunidade piscatória de longa tradição teve uma forte identidade linguística, talvez a mais vincada de todo o Algarve. Nos anos 50, a minha mãe fez um dos mais detalhados trabalhos existentes sobre os termos, vocábulos, expressões e fonética local que, então, foi acompanhado por um fantástico levantamento fotográfico sobre a pesca do atum (não é o caso da foto aqui reproduzida). A imagem que retenho desde sempre desta pesca é a de uma gigantesca mancha de sangue na água, que as correntes demoravam a dissipar.

Flor minha




Há-as côcas. Abrem-se com a boca. Porque a casca é fácil. Quando lhes falam com sorrisos gentis, dão todo o ar da sua beleza. São, por excelência, a alegria polvilhada entre o azul do céu. Ligeiramente rosada.


domingo, 18 de fevereiro de 2007

1903 Meu Algarve

João Lúcio Pousão Pereira, que passou à história como poeta simbolista, nasceu em Olhão em 1880. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, foi advogado, deputado e presidente da Câmara de Olhão. Morreu, muito novo, em 1918. Assinou como João Lúcio e escreveu sobre a sua terra como poucos. Também é citado como visionário do Modernismo e incluído na corrente Decadentista. O «Meu Algarve» data de 1903. Deixou ainda o «Descendo» (1901), «Nas Asas do Sonho» (1913) e «Espalhando Fantasmas», póstumo (1921). A sua Quinta de Marim é hoje a sede do Parque Natural da Ria Formosa.

Sultana

É o símbolo do Parque Natural da Ria. A Galinha Sultana, designação popular do Caimão-Comum (Porphyrio porphyrio), é uma ave que nidifica em zonas lacustres, com predomínio de água doce, sendo extremamente fiel ao seu habitat – encontra-se em muito poucas zonas do Mediterrâneo, no Norte de África e na costa andaluza. Um elemento que os especialistas costumam referir tem a ver com a dificuldade de mudar de local de nidificação, mesmo dispondo de zonas semelhantes localizadas relativamente perto. Em Portugal está concentrada na zona da Ria que vai de Olhão a Faro, em especial nas lagoas da Quinta de Marim, e o seu efectivo já esteve limitado a um total de doze casais.

Deserta, o Horizonte da Maçonaria

Sempre foi o fim do meu mundo. Mais a Sul já não havia nada. E para poente, do lado do Ancão, tudo mudava, pela invasão de pinheiros. Aliás, os extremos da Ria são parecidos e repletos de pinhas. Do lado nascente, ficavam os pinhais dos Drago, hoje a praia Verde. Do outro, os esteiros e as pequenas lagoas do Ancão. Por isso, de miúdo, para mim, o «último areal» era o da Barreta, na ilha Deserta. E era uma aventura ir lá e passar o cabo de Santa Maria, que, em calma, não se compara ao seu irmão ocidental, o Vicente. Agora fará seguramente mais de 20 anos que não vou lá. Em alternativa, procurei durante esse tempo todo o Lacém, mais fácil de aceder e menos ventoso. Do lado de terra, entre estes dois mundos dunares, pelo meio ficava a virtude. Em tons de maçonaria, com moínho de maré e larga caldeira, pateiras e galinhas sultanas. Por isso, em frente da quinta maçónica, ultrapassada a ria, na sua parte mais extensa, só poderia ficar mesmo aquela Deserta.

A esta hora, tudo é Divino

Quanto mais calor estiver, mais belo fica o pôr-do-sol.

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Foi Ela

E foi. Boa parte das fotos que iniciaram este blog, dedicado a um local perdido no mundo, que dá pelo nome de Ria Formosa - mas só sobre o lado dos primos de Sotavento - e que apenas alguns algarvios conhecem verdadeiramente bem, embora muitos julguem tratar por tu, esse conjunto de fotos é-me muito Especial, porque foi tirado por Ela, a minha melhor parte de mim.
Tal como a sempre jovem Cacela Velha, Ela é Serena. Amiga, Atenta, Brincalhona e Fantástica.
Além de ser a pessoa de quem mais Gosto é mesmo uma Excelente Pessoa. Com muitos dos traços das avós, embora bastante decalcada da paterna, o que se comprova em fotos tiradas há mais de 60 anos, herdou sobretudo uma boa mão-cheia de características do meu pai, em tudo o que teve de Genial.
Por isso, minha querida, se já te tinha dedicado um, aqui tens o segundo. E desculpa-me a descortezia de apareceres. Estas fotos, como calcularias, só podiam ser do local onde mais gosto de ir e onde melhor aprecio o meu Bombay tónico - e tu, o teu chá de flores egípcias -, justamente porque aí o tempo tem sempre a gentileza de parar, enquanto oiço os cubos de gelo falarem com o vidro do copo. O resto é boa paisagem. Algarvia. Da que continua igual. Às tuas fotos!!















Bigodes Cúneos

Cacela Velha, a que chamo a Única, porque para mim não há duas, tem pergami-nhos que cheguem, pois, reza a história, foi a capital dos Cúneos, de seu nome Cunistorgis. Isso, muito antes do império romano ter inventado a Lusitânia, o que remonta o seu passado a épocas anteriores ao século sétimo antes de Cristo. Dizem que a origem dos Cúneos é pré-céltica. Além deles, Cacela também foi habitada por gregos e fenícios. Depois dos romanos ainda vieram os árabes, e só recentemente foi conquistada aos mouros, corria o ano do Senhor de 1240, sob o comando de D. Paio Peres Correia. Muito pouco tempo corrido sobre tal feito, veio a infâmia e para sempre ficou mal contada a tragédia de sete cavaleiros cristãos, mortos numa cilada, dita moura, durante um período de tréguas - traição invocada por D. Paio como argumento para arrasar Tavira. Mas Cacela, rico porto comercial, seguiu o seu caminho. Obteve foral de D. Dinis, em 1283, e não mais parou de ser confrontada por inclemências, sucumbindo diversas vezes a terramotos. Ninguém garante que os seus antepassados não reencarnaram em cada uma das sucessivas sete vidas dos gatos locais, os mesmos que têm rondado a pequena urbe desde os tempos dos Cúneos. Também ninguém garante que seja essa a razão da sapiente serenidade dos felinos de Cacela, supremos vigilantes dos dois cemitérios da terra.

Serra de Barcos

Da ria a Alcoutim não se larga o barco. Basta entrar por Santo António da Arenilha e subir o Guadiana. Não é longe, mas também não é perto. São só duas águas, uma salgada e outra doce.


Desnorteado

Diz-se no Sul que só o vento Norte limpa as núvens.

Verde Levante

O vento irrita-o e quando se levanta fica verde. Por isso lhe chamo o Meu Mar.

O Galo do Castelo

Santa Maria tem um Galo, Senhor da Alvorada. Eis a voz do Castelo. Em vez dos sinos, quem repica o relógio é ele. Tange-os em tom festivo. Do ponto mais alto, ergue o bico, com a crista para trás e soa como trovões. Tem o maior resplendor. Maior que um clarão de relâmpago.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Já foi

Num estalar de dedos. Os mochos batem asas, pesados. Ecoam pios. Esvoaçam os morcegos. As chilreadas acalmam. Os cães ladram. As chaminés libertam aromas de cozinhados. As melgas zumbem. Tudo anuncia estrelas. Vamos jantar.

Brilho real

Não existe... e que interessa? Até brilha mais...
Tem encanto!
A luz da noite
vem do fundo...

Sal

Nunca se vê antes de aparecer. Porque leva tempo.

Escondido

O trinco fecha-se, mas o vento passa. Ouve-se.

Linha-d'água

Marca tudo. Mas sobe e desce. Uma vezes, aproxima-se da grade. Outras, bate no fundo. Vivo ao sabor da maré.

Palete

Puxo da mão e conto pelos dedos as janelas na água, onde o branco da cal tem mais cor e o azul do céu é mais intenso. Nem o vermelho se dilui. Estás sempre lá, mesmo ausente. Porque o rio não mente. Conta-de-cor todas as cores.

Pontespelho

Imaculado espelho onde se cruzam paixões nocturnas. Quando as luzes se acendem, não há candeeiro que não venere os sentimentos que passam a passo lento até pararem, a meio do rio. Da barra, espreita o Gilão. Do lado da serra, o Sequa. E ali, em cima dos arcos, reflete-se o teu sorriso na água.

Horas felizes, luz com cheiro

Um quarto para as cinco de uma luz que é impossível de melhorar. Aqui, todas as horas são lapidadas em variações do meio-dia. Têm cheiro próprio, marcado pelas mudanças do vento. Do Levante, matinal, anuncia o mar e chega com travo a sal. Da nortada, à tarde, inunda tudo com esteva da serra e calor do Alentejo, que vem perdido em oliveiras e alfarrobeiras, até se cruzar com o doce das figueiras. Mas no ocaso, o tempo pára. Porque o silêncio cala a minha brisa, enquanto aguardo a chegada de Vénus. Este mundo fica entre o Mar e a Ria.